Gato Selvagem




O Anjo do Sol

Era uma vez uma pequena criança. O ar da sua casinha, à beira mar plantada, queimava-lhe a pele exposta. Não se cordava à quantos anos vivia naquela casa, tão só, sem nunca ter visto num rosto nascer um sorriso. À tarde, quando o dia estava um pouco mais quente, saía para respirar, não muito tempo, apenas o necessário para os seus pequenos pulmões.
Olhava o mundo pela janela, deixava-se estar no seu abrigo com medo de sair. O mundo era fascinante e ao mesmo tempo aterrador, fazia crescer adrenalina e medo em condições muito maiores. Nos seguintes dias a criança viu-se na estranha posição de se sentir ansiosa por sair, aquele momento em que respirava um ar tão puro.
Os dias passaram e os pequenos pulmões da criança enchiam-se de um ar puro e livre. Os seus olhos conseguiam captar as sensações cromáticas com muito mais força, via. Via cores e tão vivas que eram. Até à sua mente chegavam os sons das ondas, os uivos constantes do vento, o restolhar das folhas.
À noite, quando voltava para casa, a criança pensava nas árvores, no mar, nas flores e não sentia frio. Sonhava a noite toda sonhos desesperados por liberdade, Até que chegou um dia em que deixou os seus pés descalços caminharem mais longe, deixou que o horizonte cobrisse a sua casa e andou. Mesmo de noite, a criança não tinha frio, o sol abraçava-lhe o corpo e nunca arrefecia.
Das suas mãos e pés símbolos dourados nasceram, subindo as pernas, os braços. Nas suas costas dois grandes rasgões e da areia, uma espada. Duas grandes asas nasceram dos seus rasgões nas costas e a criança pegou na espada, só aí reparou no quanto crescera, observando o seu reflexo.
Era quase um homem adulto e toda a sua juventude sofrera, agora, teria como missão libertar outras crianças do seu sofrimento. Em direcção ao horizonte dourado, aquele que fora criança, voou.


Azul...
do céu que pintámos;
do mar que salpicámos
aqui, ali e acolá
de pequenos montes de tinta.

Esse azul...

O azul com o qual uma vez te zangaste.
Ao qual juraste nunca mais confiar.

Nos dias de chuva e à noite
ainda me perco nesse azul.
Parece que o tempo o estendeu;
mais para além.

Quase consigo ver os seus braços...
Cheios até às lágrimas salgadas.
Ele rompe e cresce.
Sopra para longe os teus,
tão preciosos,
sentimentos.

Esse azul...

Abro a janela e olho
outra vez,
o azul que costumava apaziguar-me.
Agora ele é apenas
outra maneira de magoar-me.

A mim e a outros ninguém
que sonham alguém ser.
Para muitos e outros assim é.
Pois o mar é agora não mais

que uma mancha furiosa de tinta.